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Ao abrir os olhos, levanta-se e segue para o banheiro. Olha para o espelho e fica assombrado ao ver outro homem. Um estranho. Não pode ser. Impossível. Não é o seu rosto. Retorna para o quarto e levanta o telefone do gancho, fica sem saber como explicar tudo aquilo, devolve-o para o gancho. Volta para o banheiro e olha com mais atenção para o espelho. Não se trata de um delírio. Vê o mesmo homem estranho.
Mas quem é ele? De onde surgiu? Será que o último hóspede ficou preso no espelho e precisa ser resgatado? Que absurdo! O espelho deve estar mentindo. Não, não pode ser. Aquele não é o seu rosto.
O Estrangeiro chora sem saber ao certo o motivo original do choro. São as mesmas lágrimas, mas de homens diferentes. Será que o espelho exibe uma miragem? Será que ele perdeu a sua imagem? Como? Se ele nem ao menos conhece o rosto estranho do espelho…
Algo precisa ficar claro. Ele é um indivíduo substancial. O homem do espelho, uma mera superfície. E se o Estrangeiro retirar a máscara diante do espelho e encontrar um rosto ainda mais estranho? Afoito, quer escavar seus olhares com as unhas. Sua essência deve estar soterrada em alguma galeria da aparência. Assustado, por um instante, o Estrangeiro toca seu próprio rosto. Ele existe. Penteia os cabelos com os dedos. Como são lisos e finos… Ásperos os seus pensamentos. Ele, um estrangeiro. Chega, dorme, trabalha e vai embora. E por que agora está sentindo vontade de ficar? O estranho homem no espelho parece pedir para que fique. Ao menos dessa vez. O que o estranho tem a lhe dizer? Por que os olhos dele brilham menos que os seus? Uma aflição. Um medo ocre. Um beco sem saída. Não, o brilho é o mesmo! Que momento surreal! Há um relógio derretido num galho de árvore. Há um Dalí alterando os sentimentos do Estrangeiro. Sim, porque o tempo dele estancou. Parou no segundo em que viu o homem estranho no espelho.
Se ao menos o homem do espelho não duplicasse os seus gestos com tanta precisão, mas não, ele reproduz toda e qualquer sutileza e ação mínima. O Estrangeiro começa a acreditar que ele e o homem do espelho são a mesma pessoa.
Lá fora, a marcha das horas prossegue. Há mais estrelas no céu. Fazem cirandas e pulam amarelinha. A lua não apareceu. O Estrangeiro não quer descer para arejar, ver o mar à noite. Permanece no quarto. Está intrigado. Precisa de…
O estrangeiro no espelho
Leva tempo para um homem aprender a existir com prazer, a pisar na terra, a desvendar gestos simples, a sutil diferença entre ternura e brandura. Leva muito tempo para um homem reaprender a amar, a identificar sua imagem no espelho. Um romance conflitante, instigante, apaixonante. Um empresário vem trabalhar no Brasil e trava batalhas e diálogos reveladores com sua imagem refletida no espelho do hotel. Esse empresário estrangeiro redescobre a alegria de tocar a mulher e um instrumento musical. E descobre pela primeira vez que a vida tem asas grandes. Sabe sonhar. Reinventar o próprio voo…
Autor: Jonas Ribeiro
Ilustrações: Thiago Mazucato (colagens)
Editora: Ideias & Letras