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A mesa veste-se de linho branco. Ao seu redor, vários convivas ocupam as cadeiras, cabisbaixos. Na frente de cada conviva repousam talheres e um prato de porcelana clara com a borda dourada. Ao lado, uma argola de ouro estreita com elegância um guardanapo de pano arranjado em flor. A meia-luz da sala rouba a plenitude do brilho das taças. Nenhum dos convivas fala, e essa redoma de acusações mudas apunhala, incrimina e gera uma sombra austera. O luxo frágil e uma imensurável tristeza marcam os gestos dos convivas.
Embora todos fossem cúmplices, não ousavam erguer os olhos para encarar-se. Eles sabiam que no olhar do outro encontrariam a crueza da crueldade que havia em seus próprios olhos.
Militares vinham trazer as baixelas para a mesa. Um silêncio obtuso arranhava a cumplicidade. Além do silêncio, os ouvidos ouviam também gritos de horror, agonia, desespero. Era o eco da consciência dos tiranos. Outras baixelas eram trazidas. As taças encheram-se de um vinho da cor do sangue. E, ávidos de prazer, os convivas beberam a sangria dos próprios atos. Não houve brinde, não houve murmúrio, não houve nada. Os militares deixaram a mesa sem qualquer reverência e os líderes ficaram a sós, segurando as taças vazias, a cumplicidade e a consciência nas mãos, sem saber o que pronunciar, que atitude tomar. E, por mais que falassem, por mais que fizessem, o passado sempre os denunciaria.
A maior das baixelas foi aberta. Os olhos, que até então não ousavam erguer-se, dirigiram-se para aquele suculento prato. A baba da ambição escorreu-lhes dos beiços. Todos cobiçaram o Poder rodeado de batatas coradas. Avançaram com selvageria, fazendo brotar toda tirania. Em segundos, não mais se viam as…