Os Albuquerque Querque tinham tanto, tanto, mas tanto dinheiro que, se quisessem, nenhum membro da família precisaria mais trabalhar. Nem os membros das próximas gerações precisariam sequer mover uma palha de lugar. A mansão em que moravam era deslumbrante e empregava cerca de noventa funcionários para cuidar dos jardins, das piscinas, dos chafarizes, das cascatas, das quadras de tênis, do campo de golfe, do haras, das pistas de patinação, boliche e dança, da biblioteca, das salas de música, ginástica e meditação, das vinte e cinco suítes de hóspedes. Tudo era tão enorme que, para se encontrar, os Albuquerque Querque precisavam combinar horário e local com exatidão.
Às vezes, o avô Décio Laércio estava na ala norte da mansão e queria dar um beijo na neta, só que a Beatriz estava na ala leste, no Setor de Lazer, na quadra C, fazendo aula de tênis. Então, ele enviava um beijo pelas redes sociais ou pedia a Charles, um de seus mordomos, que levasse um bilhetinho com algumas palavras carinhosas para a sua querida neta. Também o pai, Herbert Fortunato, quando estava no escritório, na ala sul da mansão e precisava da assinatura da esposa, Alcina Alcione, que, por sua vez, meditava na ala oeste, no Setor de Saúde e Terapias Alternativas. Herbert, então, pedia a Gregório, um de seus assessores, que fosse até o hall da sala de meditação e aguardasse Alcina Alcione para pegar sua assinatura no documento.
Era incrível. A sociedade demonstrava interesse por toda e qualquer notícia relacionada aos bilionários Albuquerque Querque. Todos faziam questão de bajular e cumprimentar com um largo sorriso os sete integrantes da família: o avô, Décio Laércio; a avó, Adelina Adelaide; a mãe, Alcina Alcione; o pai, Herbert Fortunato; a filha, Beatriz; o filho, Augusto, e uma cachorrinha paparicada e bem acostumada com conforto, filé mignon e mordomias caninas, Nini Nice Berenice, que, sem sombra de dúvida, também era considerada um membro legítimo da família Albuquerque Querque.
A rotina seguia sem grandes novidades até que, no início de janeiro, numa noite especial, em que a avó Adelina Adelaide completava setenta anos, todos se reuniram para celebrar a data na sala de jantares fenomenais. Até a Nini Nice Berenice estava deitada num tapete persa, diante de uma bandeja de prata cheia de canapés de ração importada.
De repente, a avó Adelina Adelaide levantou-se de sua cadeira e bateu várias vezes o garfo numa taça de cristal. Todos voltaram sua atenção para ela. Adelina Adelaide respirou fundo e falou:
— Primeiro, gostaria que, por alguns instantes, os nossos eficientes criados saíssem da sala de jantares fenomenais e retornassem somente quando um de nós for chamá-los.
— Eu irei, vovó – disse Guto, apelido do neto Augusto Albuquerque Querque.
— Ótimo! Então, quando o Guto for buscá-los, vocês voltarão com ele. O assunto que quero tratar é ultrassecreto.
Os criados saíram. Todos os Albuquerque Querque, que estavam à mesa, estranharam o pedido. Na verdade, ficaram curiosos. Adelina Adelaide prosseguiu:
— Nossa família sempre teve tudo e um pouco mais, nunca nos faltou nada. Ao contrário, temos dinheiro para realizar os projetos que quisermos; no entanto, tenho notado que nós nos falamos muito pouco. Nossa propriedade é imensa e mal nos encontramos, o que, vamos e venhamos, é um absurdo. Eu sei que, ultimamente, venho me questionando: será que precisamos de tudo isto? Será que somos felizes? Será que o dinheiro realmente trouxe nossa felicidade? E a pergunta que vem mais me incomodando: será que saberíamos ser felizes sem tanto dinheiro assim? Enfim, gostaria de propor a todos uma aventura diferente…
Beatriz interrompeu a avó:
— O que você está aprontando, vó Lina?
Adelina Adelaide adorou a pergunta cheia de entusiasmo e esclareceu à Bia, como todos a chamavam, e aos demais:
— Proponho…